quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O bobo...



A festa havia começado há horas. Havia uma linda música tocada pelos mais importantes instrumentistas do reino. Mulheres em longos vestidos dançavam em voltas dando as mãos, como em uma ciranda, enquanto os homens batiam palmas à elas, no legítimo estilo dançante medieval.
Victor estava em seu camarim e visava sua maquiagem: rosto pálido como a lua e olheiras negras e densas como a noite. Em seus lábio um vermelho que dava a impressão de que sua boca era menor. Seu chapéu colorido com três pontas grandes e que terminavam em pequenos sininhos redondos estava em seu colo. Aquela seria a sua primeira noite como bobo da corte real. Era sua primeira noite como bobo. Ele não estava nervoso, nem com medo, e com nenhum receio de não agradar ao rei e seus convidados. Fitava o profundo negro de seus olhos no espelho tentando achar algum motivo para fazê-los rir de suas "palhaçadas". Não havia nada. Eram pessoas mesquinhas e ingênuas. Que ririam de qualquer bobagem que ele fizesse. Afinal quem não riria do bobo do rei. 
Enquanto fitava seus olhos lembrou das noites em que atuou nas ruas de seu condado levando alegria ao povo. Era tão bom fazer com que as crianças rissem, mesmo quando durante o dia tinham que trabalhar nas lavouras para ajudar seus pais nas altas taxas de impostos. Era tão bom ver as donzelas apaixonadas se sentirem amadas por um galanteador noturno que cantava à elas a beleza dos seus olhos. As noites em que dramatizou os deuses gregos, os nórdicos e até mesmo os célticos, atuando divinamente a barbárie. 
Atuar era sua vida.
 Foram tantos seus personagens que há muito tempo ele havia se perdido entre eles e nem sabia mais quem ele realmente era, mas com certeza ele sabia quem não era. Já havia chorado tantas dores diferentes, gargalhado por situações diferentes. Coisas que ele nem tinha vivido, mas ao mesmo tempo tinha vivido mais intensamente que sua própria vida.
Agora era injusto estar ali. Aquela noite ele não seria um herói troiano, um poeta grego ou um guerreiro viking. Aquela noite ele não levaria ninguém ao reino dos sonhos, nem a uma floresta de fadas ou a caverna de um dragão. Naquela noite ele nem ao menos seria alguém interessante ou alguém que todos queriam ver. Naquela noite ele seria apenas um bobo. Um bobo como todos outros bobos. Entraria, contaria piadas sem graça, faria piruetas e malabarismo pouco emocionantes. Todos bateriam palmas e pediriam mais piadas. Ele era o bobo do rei agora e todos devem achá-lo engraçado. 
O desafio de encantar havia acabado. A magia de ser mágico terminada. Ele entraria no salão e seria o centro das atenções de todas aquelas pessoas. Que só rezariam para que a festa acabasse logo e que pudessem parar de fingir que gostavam uns dos outros.
A janela estava aberta. Victor levantou e foi até o parapeito, a brisa gelada da noite lambeu seus cabelos como a língua do faminto lambe sua futura refeição. Quem era ele para lutar contra a fome da noite? 
Ele era apenas mais um personagem que agora interpretava o gran finale de sua peça.
Ninguém gargalhou como esperado naquela festa. O rei perdeu seu bobo. A noite recebeu sua oferenda. E o show deixou de continuar....